Não foi sempre assim, aliás, no começo eu só ouvia guitarristas, se não houvesse um guitarrista na banda eu não me interessava pelo som. Para mim, o mundo girava em torno da guitarra.
Não foi algo planejado, não foi um trauma e nem nunca existiu um evento que dividiu minha vida entre “meu mundo guitarrista” e o “meu mundo sem guitarristas”.
Pense num vocalista por exemplo. Ele não pode olhar para uma casinha no braço do instrumento, apertar e alcançar a nota. Se o vocalista não ouve a nota dentro, ele não vai alcançar esta nota.
Um processo parecido existe nos instrumentos de sopro, a necessidade empírica do desenvolvimento do ouvido interno para alcançar certas notas, não existe uma necessidade visual de procurar a nota no instrumento com os olhos.
Não me entenda mal, existem milhares de grandes guitarristas, incríveis e geniais, mas eu percebo que a proporção de guitarristas com grande musicalidade é inferior, se comparado com outros instrumentistas com aspecto popular como, por exemplo, a família do sopro e do piano.
Costumo ouvir uma rádio de música instrumental e sempre quando ouço um som onde tem um guitarrista e outros solistas é quase certo que o guitarrista vai tocar muito mais voltado a padrões estéticos que os outros instrumentistas, ou seja, vai ficar mais dentro da caixa.
Quando ouço música eu espero ser surpreendido e isso pouco acontece quando ouço guitarristas, a não ser que eu vá naqueles caras incríveis que eu sei que são incríveis.
Continuo ouvindo e amando John Scofield, Steve Vai, Wayne Krantz, Mick Goodrick, Jeff Beck, Hélio Delmiro, Van Halen e tantos outros que continuam me surpreendendo, me ensinando e me emocionando. Continuam surgindo guitarrista incríveis que sempre irão tocar de forma genial, mas espero que você entenda o meu ponto. Se eu for contar com a sorte ou aleatoriedade para ouvir um guitarrista novo, creio que minha chance de sair satisfeito é pequena.
Para mim alguns fatores prejudicam o desenvolvimento da musicalidade nos guitarristas que vão desde o aspecto visual da construção do instrumento, basta olhar para baixo e visualizar os shapes das escalas, mesmo que você não esteja trabalhando seu ouvido para executar o que esta tocando.
Outro aspecto foi a popularização da guitarra pelas bandas de rock nos anos 60, o que acabou formando uma escola musical fraca em termos harmônicos, melódicos e rítmicos, se comparado a outras escolas estilísticas com maior sofisticação nos elementos que citei. Junte a isso o aspecto da atitude estética que se espera de um guitarrista, entre outras coisas.
Com certeza você vai encontrar músicos sem musicalidade em qualquer instrumento, mas existem alguns aspectos na guitarra que são quase como uma maldição.
Quando escrevo sobre isso mexo na minha própria ferida pois, antes de mais nada, sou guitarrista e sofri todo este processo estético que a guitarra proporciona e ainda luto contra isso. Hoje meu papel é fazer com que as pessoas reflitam e, como sei que, grande parte das pessoas que acompanham meus posts são guitarristas, eu deixo a dica.
Trabalhe seu ouvido interno, pratique solfejo, tire harmonias, acordes e solos de ouvido, toque um acorde e solfeje as notas da escala do mesmo, enfim, procure maneiras de compensar a facilidade da execução visual que o instrumento proporciona.